terça-feira, 17 de dezembro de 2013

GAITA-DE-FOLE


 Gaita-de-fole




Este é um instrumento milenar. Muitas pessoas pensam que sua origem seja escocesa, mas a maioria dos historiadores não pensa assim. Uma das teorias mais aceita é a de que a Gaita-de-Fole tenha surgido há muitos séculos nos países banhados pelo Mediterrâneo. Em
tais regiões nascia (e ainda nasce) um caniço com o qual
são feitas palhetas para instrumentos musicais de sopro, inclusive a Gaita-de-Fole.
No Egito, Países Árabes e na Grécia Antiga, tocava-se em cerimônias religiosas e festivas um instrumento que, na Grécia de nossos dias, é conhecido como "aulos", nos Países Árabes, como "mijwiz", e no Egito, como "arghoul".
Trata-se de vários caniços equipados com palhetas que são amarrados uns nos outros.
Estes instrumentos musicais eram feitos, em sua grande maioria, por pastores e camponeses.

Tais instrumentos eram tocados diretamente na boca. Isto exigia do músico uma técnica de sopro que ainda é utilizada, apesar de ser difícil sua execução por um principiante. Esta técnica é conhecida como "sopro contínuo" ou "respiração circular". Aqueles que ouvem um aulos ou uma alboka (instrumento tocado no Nordeste da Espanha, País Basco) pensam que o músico tem uma capacidade pulmonar sobre-humana pois a respiração circular é feita de forma que o instrumento não páre de soar, enquanto o músico faz uma ligeira pausa para respirar.

Talvez para se tornar mais cômodo, não se sabe bem ao certo, alguns pastores tenham decidido que poderia-se acoplar tais tubos a um saco reservatório de ar, em vez de se tocar usando tal técnica. O som de um ou mais tubos sonoros poderia ser igualmente produzido de forma contínua, porém com menos esforço, visto que tal saco serveria como um "terceiro pulmão" para o músico. Os sacos de couro eram muito utlizados como reservatórios de líquidos naqueles tempos longínquos.

É especulativo mas, muito provavelmente, a Gaita-de-Fole nasceu desta forma.

Para fazer este saco, usava-se o couro de cabra ou carneiro. Em alguns modelos de Gaitas-de-Fole ainda se usa o formato do próprio animal como "design" do instrumento, acoplando-se o ponteiro, soprete e roncos (partes constitutivas da Gaita-de-Fole), no espaço onde estavam as patas dianteiras e o pescoço da cabra.
Foi um instrumento muito popular na Idade Média entre pastores e camponeses, que saiam de suas regiões de origem muitas vezes em busca de trabalho. Provavelmente esta também tenha sido uma das formas com que o instrumento tenha se difundido pela Europa daqueles dias, entre os músicos populares.
Era feito de couro de cabra e madeira ou caniços.

Existem modelos nos quais são acrescentados chifres que servem como um amplificador de som, o que serve como mais um indicativo, entre outros, da origem pastoril do instrumento.

Segundo alguns estudiosos do assunto, é possível que o instrumento tenha sido difundido pelo mundo antigo por meio dos conquistadores romanos. Alguns dizem que tal gaita era conhecida pelo nome de "Tibia Utricularis”, mas tal informação ainda não está de todo confirmada.

Acredita-se que os legionários romanos a tocavam como instrumento militar para inspirarem os soldados à luta. Através das guerras expansionistas do Império Romano difundiram a cultura musical deste instrumento por quase todo o território continental europeu.

No entanto, há de se considerar que, pelo menos no leste europeu, a Gaita-de-Fole possui características sonoras muito parecidas com as gaitas do Oriente Médio. Talvez pelo domínio otomano na região, tal cultura musical tenha chegado em tais localidades.

Em todos os casos, enfim, são teorias feitas em cima de poucos dados arqueológicos disponíveis, pelo menos até o momento.

Ainda segundo alguns musicólogos, apesar deste número ainda não ter sido confirmado, estima-se que existem, talvez, até mesmo centenas de tipos de Gaitas-de-Fole espalhadas entre os países europeus, africanos, árabes e asiáticos, com nomes diferentes (gaita, gaida, bagpipe, cornamusa, musette, odrecillo, säckpipa, chevrette, sackpfeifen, piòb mhor, düdelsack, bock, surle, uilleann, etc), aspectos e sonoridades variadas mas basicamente a mesma estrutura: um saco que funciona como reservatório de ar e uma flauta (ponteiro) equipada de uma palheta, acompanhada ou não, de um ou mais tubos que produzem um som contínuo (ronco ou bordão).

Nos países de língua portuguesa, o instrumento é conhecido como Gaita-de-Fole (ou Gaita-de-Foles) ou simplesmente gaita, termo também utilizado em outras localidades da Península Ibérica e países de língua espanhola com algumas variações como "gaita de fuelle" ou "gaita de fol", sendo este último encontrado na Galiza, região fronteiriça ao norte de Portugal.

Em alguns países ela teve seu declínio por motivos variados como o simples desprezo das classes elitizadas ou, em casos mais extremos, a proibição religiosa. Mas, curiosamente, em alguns momentos da história o mesmo instrumento "demoníaco" também era tocado em igrejas católicas como um "instrumento Divino".
Tudo leva a crer que o primeiro relato histórico do instrumento nas Américas tenha sido no Brasil, onde chegou com as Caravelas de Pedro Álvares Cabral, e permaneceu com certa popularidade até meados do século XVIII. Em Portugal a Gaita-de-Fole sobreviveu nos meios rurais mais afastados.

Está sendo recuperada por etnógrafos e musicólogos através de intensas pesquisas. Com isto, deixou de ser tocada apenas pelos mais velhos para ser apreciada, também, pelos mais jovens. Em terras brasileiras o mesmo está acontecendo: o interesse pelo instrumento está sendo (re)despertado e, posso dizer que o objetivo destas linhas aqui escritas é despretensioso, sendo apenas informativo, visto que a maior parte dos brasileiros desconhece a sua herança gaiteira luso-brasileira, pensando que a gaita seja de origem exclusivamente escocesa, o que é um engano.

Podemos concluir este pequeno relato dizendo que a gaita-de-fole é um instrumento que atravessou vários séculos, podendo até mesmo ser considerado "patrimônio da humanidade" pois não é de propriedade deste ou daquele povo, existindo em vários países e culturas do Mundo. Esteve presente nos mais variados contextos das sociedades do passado, ora tocada em momentos de prazer- como festas- ora em momentos de profunda reflexão e devotamento- como cultos- ora em momentos de fúria, como em guerras.

E como as civilizações, teve seu apogeu e seu declínio, mas sempre sobrevivendo e se adaptando à passagem dos séculos, às dificuldades e, em alguns casos, à ignorância humana.



A Gaita de fole no Brasil

O primeiro relato histórico de um instrumento europeu no Brasil indica que seja a Gaita-de-Fole.
Esta informação consta na Carta de Pero Vaz de Caminha, quando do Descobrimento do Brasil.
Aliás, podemos ir até mais além: o primeiro relato de uma Gaita-de-Fole em todas as Américas (do Norte, Central e Sul) é datado de 1500, justamente no Brasil.

Isto faz do Brasil o primeiro país do "novo mundo" a ter recebido dos europeus uma Gaita-de-Fole.

Dois trechos escritos por Caminha evidenciam a presença de gaitas e gaiteiros naquele dia:



1) "cõ jsto se volueo bertolameu dijz ao capitam e viemonos aas naaos acomer tanjendo tronbetas e gaitas sem lhes dar mais apresam e eles tornaramse aasentar na praya”;

2) “pasouse emtam aalem do rrio diego dijz alxe que foy de sacauem que he homê gracioso edeprazer e leuou comsigo hû gayteiro noso cõ sua gaita e meteose cõ eles adançar tomandoos pelas maõs e eles folgauam e rriam e amdauam cõ ele muy bem ao sõ dagaita”.



O relato à seguir é similar ao exposto acima, porém, traduzido para o português contemporâneo. Referindo-se aos indígenas, Caminha comenta:



"E além do rio andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante os outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então para a outra banda do rio Diogo Dias, que fora almoxarife de Sacavém, o qual é homem gracioso e de prazer. E levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se a dançar com eles, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam e andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem fez ali muitas voltas ligeiras, andando no chão, e salto real, de que se eles espantavam e riam e folgavam muito. E conquanto com aquilo os segurou e afagou muito, tomavam logo uma esquiveza como de animais montezes, e foram-se para cima."


Por mais incrível que pareça, até meados do século XIX, há relatos de que a Gaita-de-Fole portuguesa foi tocada no Brasil.

Uma ilustração muito interessante, de Rugendas, mostra um escravo a tocar uma gaita-de-fole).

No livro "Vocabulário da Língua Brasílica" de 1621, de autoria de Leonardo do Vale a palavra “gaita” aparece como "membi" e “gaiteiro” como “membigaçara”, no idioma tupi. Provavelmente esta era a forma como os índios referiam-se ao instrumento tocado pelos portugueses, visto que, no Brasil, não existia gaitas-de-fole ou instrumento similar tocado pelos indígenas.

No poema Ásia (Lisboa: Germão Galharde, 1552), o autor João de Barros comenta sobre a despedida da embarcação de Pedro Álvares Cabral, no Porto de Lisboa, em 9 de Março de 1500:



“E o que mais levantava o espírito destas cousas, eram as trombetas, atabáques, séstros, tambores, frautas, pandeiros, e até gaitas, cuja ventura foi andar em os campos no apascentar dos gádos, naquele dia tomáram posse de ir sôbre as águas salgadas do mar, nesta e outras armadas, que depois a seguiram, porque, para viágem de tanto tempo, tudo os homens buscavam para tirar a tristeza do mar.”



Neste poema a gaita-de-fole torna-se muito mais que um instrumento musical. Era uma evocação, quando tocada, às mais alegres lembranças dos campos verdejantes de Portugal, onde podia-se ouvir o som da gaita sendo tocada pelos pastores ou, ainda, lembranças de bons momentos em festividades. Lembranças estas que acompanharam os marinheiros por uma viagem tão longa à terras desconhecidas.

Um texto traduzido para o castelhano sobre os jesuítas, na sua missão catequisadora pelo Brasil, diz sobre a solicitação de instrumentos musicais europeus, entre eles, a gaita-de-fole.

Na Bahia, em 5 de agosto de 1552, uma carta de um menino indígena, escrita pelo Padre Francisco Pires ao Padre Pero Doménech em Lisboa (LEITE, 1956), diz:



“Parézeme, según ellos son amigos de nossas músicas, que nosotros tañendo y cantando entre ellos los ganaríamos, pues differencia ay de lo que ellos hazen a lo que nosotros hazemos y haríamos si V. R.a nos hiziesse proveer de algunos instrumentos para que acá tañamos (imbiando algunos niños que sepan tañer), como son flautas, y gaitas, y nésperas, y unas vergas de yerro con unas argollicas dentro, las quales tañen dando con un yerro en la verga; y un par de panderos y sonajas. Si viniesse algún tamborilero y gaitero acá, parézeme que no havría Principal que no diesse sus hijos para que los enseñassen.”

Em outro relato, datado de 16 de Outubro de 1585, o jesuíta Fernão Cardim, escrevendo do Colégio da Bahia, informa sobre uma festa realizada em 6 de janeiro de 1584:



“Acabada a festa espiritual lhes mandou o padre visitador fazer outra corporal, dando lhe um jantar a todos os da aldêa, debaixo de uma grande ramada. [...] Emquanto comiam, lhes tangiam tambores, e gaitas.”

Gregório de Matos e Guerra (1633? - 1696), poeta, escreveu um romance que começa com “Vamos cada dia à roça”, que diz:



“Vamos, e fiquemos lá

um dia, ou uma semana,

que enquanto as gaitas se tocam,

sabe a roça, como gaitas.”...

“E nos vamos para a roça

com nosso feixe de gaitas

até ver me descasada

para me rir, de quem casa.”



Para alguns estudiosos do assunto, pode haver uma ambigüidade no emprego da palavra "gaita" pois não há meios de ter um "feixe de gaitas". Acreditam que o autor referia-se à flautas. No entanto, um gaiteiro pode carregar uma gaita-de-fole pegando-a pelo soprete e tubos sonoros (ponteiro e ronco) assemelhando-se à um feixe.
Em documentos históricos do século XVIII, como o "Triunfo Eucarístico", ou o "Áureo Trono Episcopal", que relata a chegada a Mariana do primeiro Bispo, Dom Frei Manuel da Cruz, mais uma vez, a gaita-de-fole é citada.
Outro relato, já um pouco mais "recente", datado do século XIX, fala sobre as experiências do viajante inglês Henry Koster pelo Brasil, que diz:

Em janeiro de 1812 ele (Koster) acompanhou a revista que um capitão-mor de um distrito
vizinho ao seu fez aos oficiais das companhias de ordenança sob seu comando. Na povoação de Bom Jardim, em Pernambuco, a inspeção deu-se na companhia do capitão Anselmo, um agricultor de algodão de recursos mais modestos, cuja fazenda contava com cerca de 40 escravos. Conta Koster que, na hora do jantar, o capitão chamou seus músicos...



"... três negros com gaitas de foles começaram a tocar pequenas toadas

em tons diversos um do outro, e às vezes, [eu] supunha que um deles

executava peças de sua própria composição. Imagino que alguém jamais

tentou produzir harmonias sonoras com tão mal resultado como esses

charameleiros. A posse de uma dessas bandas empresta um certo grau

de superioridade e, conseqüentemente, os ricos plantadores têm orgulho

pelos seus músicos (KOSTER, 1942, p. 272)."



Com o exposto é evidente, pois, que a Gaita-de-Fole foi presente nas primeiras sociedades luso-brasileiras. No entanto, desapareceu da nossa cultura, talvez por desinteresse das sociedades posteriores que preferiram instrumentos que eram mais tocados em conservatório, como violinos, flautas, clarinetes, etc, à um instrumento que era tocado, na Europa, por pastores, camponeses e gente humilde, que tocavam a gaita para passar o tempo enquanto pastoreavam ou, que tocavam o instrumento musical para adorarem, nos ritos católicos, os santos das festividades religiosas ou, até mesmo, para animar as bebedeiras em prostíbulos.
Eis, portanto, a necessidade de recuperarmos a cultura gaiteira que, intensa ou não, existiu, de alguma forma, no Brasil.







http://www.gaitadefole.com/historia.htm

http://www.gaitadefole.com/gaita-no-brasil.htm

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